A vingança é burra

"A vingança é um prato que se come frio", afirma um dos adágios populares que gerações a fio têm lançado mão. Não sou nenhum candidato à beatificação e confesso que esse já foi um prato do qual já quis me servir. Felizmente, não foi possível.
Entretanto, enquanto não comia o 'prato principal', fui servido de aperitivos e entradas que mesmo não sendo a vingança propriamente dita, resultam em tanto prejuízo quanto.

Felizmente, não vou precisar chegar aos 60, 70 ou 80 anos para antecipar o aprendizado de que a vingança, na verdade, é um prato que não se deve comer nem frio, nem morno, nem quente.
Com pouco tempo de vida, posso atestar por diversos exemplos em múltiplos grupos da sociedade, que o sentimento de vingança é, de fato, uma anomalia da alma de efeitos funestos tanto para o indivíduo que nutre essa patologia, quanto para as pessoas que o cercam.

A vingança tem o poder do emburrecimento. Entretanto, a despeito de corroer as faculdades mentais daquele que quer ser o vingador, o próprio indivíduo se sente forte, poderoso, superior, imbatível, insubstituível, entre outras megalomanias. Aliás, o nome Vingador pelo qual era identificado o vilão do desenho animado "Caverna do Dragão" sintetiza bem esse perfil doentio.

Apesar do emburrecimento para o que é proveitoso, o sentimento de vingança aguça os sentidos do indivíduo e lhe confere habilidades, que se a cura chega em tempo, não provoca nenhum orgulho em ser relatado.
É comum aos vingadores por aí afora, a associação com toda sorte de gente que lhe confira alguma perspectiva para lograr êxito em seu plano de vingança. Não importa se aqueles com quem busca se associar são tão vis quanto aquele de quem quer se vingar. Neste tipo de associação, é comum as promessas de favorecimento. Aplica-se a história de uma mão lava a outra.

Tomando novamente a ficção como exemplo, o Vingador tinha como serviçal o Mestre das Sombras. Isso aponta para outra característica de quem quer se vingar: a postura sorrateira. Chega sempre pelos cantos, aparece 'do nada', lembra bem a personagem Nina, vivida pela atriz Débora Falabella na novela "Avenida Brasil" (Rede Globo, 2012).
Quem faz da vingança sua meta de vida, além de emburrecer, se não fica cego, se torna míope. Isso porque não consegue ver nada à frente de si além abismo que acredita ser capaz de pular, mas para o qual não tem ponte para instalar. A bem da verdade, o que encaramos como abismo, o vingador vê como montanha que vai subir e se tornar herói por tê-la escalado.

A vingança, apesar do emburrecimento que provoca, fundamenta discursos com certo requinte e contagia massas. Foi bem assim que Adolf Hitler entrou para a história como um monstro social com a anuência e consentimento, embora que enganado, do povo alemão.
É notório que o vingador sabe, como ninguém, enganar, mentir, fraudar, camuflar, ludibriar as pessoas que precisa envolver para a concretização de seus planos.
Quem cai no 'conto do vigário', descobre outra habilidade do vingador que é trair. Ele trai a confiança de quem acreditou ser importante no seu plano. Nesse jogo, nega as próprias palavras. Não tem a menor preocupação com a própria história e memória. Afinal, seu grande desejo era se vingar. Se o objetivo foi alcançado, não existe mais nada e nem ninguém que importe.

Mesmo convicto de que o emburrecimento do vingador é real, reconheço que é comum seus planos darem certo. Alguém, então, pode me dizer: 'Então, ele não é tão chucro assim!'. Eis o paradoxo: foi esperto para concluir o plano da vingança, mas não sabe o que fazer depois.
A vingança, quando consumada, deixa o vingador sem perspectiva, desorientado, limitado, atrofiado. Não sei que sabor a vingança tem, mas se for para comparar, deve ter sabor de mel na boca e de fel no estômago.

Para concluir com uma visão bíblica, não foi em vão que Deus mandou registrar no Livro Sagrado: "Minha é a vingança, eu darei a recompensa..." (Hebreu 10:30)

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