Infelizmente, esta comunicação do olhar se enfraqueceu ou se perdeu. Tenho a sensação que as gerações mais recentes não entendem ou não querem acatar as intenções dos pais. Na maioria dos casos, tem que falar alto e, mesmo assim, a desobediência ou desacato é o efeito imediato mais comum.
A bem da verdade, muito disso deve-se ao despreparo e desinteresse em acumular o mínimo de conhecimento e construir uma autoridade sobre os filhos capaz de determinar os limites. Mas isso é uma outra história. Quero aproveitar o exemplo do poder da comunicação de um simples olhar e refletir sobre o olhar do Cristo torturado sobre o covarde Pedro.
Quando se fala na madrugada do julgamento fraudulento de Jesus um dos tópicos que mais ganha destaque nas homilias é a negação do apóstolo Pedro. Repete-se à exaustão o aviso profético de Jesus e, com generosa dose até de maldade, enfatiza-se a postura medrosa do discípulo.
Entretanto, há um momento brevíssimo que, muitas vezes, passa despercebido. Após a terceira negação de Pedro, o médico Lucas registrou: “E, virando-se o Senhor, olhou para Pedro, e Pedro lembrou-se da palavra do Senhor, como lhe havia dito: Antes que o galo cante hoje, me negarás três vezes.” (Lucas 22:61)
Gostaria de poder estar no local do julgamento e flagrar o momento que, em meio à turba, os olhares de Cristo e do apóstolo se cruzam. A sequência da narrativa de Lucas afirma: “E, saindo Pedro para fora, chorou amargamente.”
Naquela altura da madrugada Jesus já estava sendo violentado física e psicologicamente. Todas as pressões haviam sido desencadeadas: abandono dos amigos, hostilização dos inimigos, moído pela agonia no Getsêmani, torturado pelos carrascos. Contudo, o Mestre do Amor teve a possibilidade de olhar para Pedro.
O passo seguinte do apóstolo foi chorar amargamente. Apesar disso, tenho absoluta convicção que naqueles milésimos de segundos ao invés de sentir o peso de uma condenação, repúdio, ódio, ressentimento ou qualquer coisa do gênero, ele sentiu perdão, acolhimento, compreensão das fraquezas e, sobretudo, aquele breve olhar comunicou amor.
Há muito que aprendermos com aquele breve olhar. Embora alguém possa dizer que Jesus só olhou com misericórdia porque é o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo, isso não nos isenta de, pelo menos, tentar imitar os seus passos.
Infelizmente, desenvolvemos uma habilidade sinistra de olhar para condenar, repudiar, recriminar, humilhar, zombar, denegrir entre outras intenções dos olhares que nos aprimoramos em lançar uns sobre os outros.
Temos uma agilidade imensa para sempre ressaltar o que há de pior no vizinho, mas fechamos os olhos para o que existe das coisas boas, agradáveis, dignas de serem comentadas e até imitadas.
Não alimento a utopia de que vamos ‘mudar o mundo’ se passarmos a olhar uns para os outros de uma forma diferente, mas, com certeza, podemos conquistar alguma melhora interna em um universo tão vasto e desconhecido quanto o que abriga as galáxias: o nosso espírito.
Um novo olhar uns sobre os outros vai resultar em alegria, descoberta, cura, perdão, liberdade no corpo e na alma. Essa mudança de postura na observação uns dos outros, exige disciplina e um esforço concentrado, pois a tentação de embrutecer-se vai estar sempre presente. Contudo, se nos dispusermos a isso e contarmos com a ajuda dAquele que pode curar nossa visão, poderemos experimentar alegrias verdadeiras e duradouras.