O poder de quem não é visto

O mundo se move por quem não se vê


Em uma sociedade movida pelo espetáculo, parece que ser discreto e, anônimo, é uma espécie de castigo. Desde que os "15 minutos de fama" passaram a ser buscados com o ardor de quem precisa sobreviver, fica a sensação de que a coisa mais importante na vida é ser famoso, se tornar celebridade, dar autógrafo, ser fotografado.
Ultimamente, até na hora do parto as pessoas se deixam fotografar e filmar para mostrar o quanto descabeladas e suadas ficaram para dar à luz.

Em tempos de Twitter, Facebook, YouTube, BigBrother, A Fazenda, Ídolos e outras tantas quirelas do mundo da Internet e da TV, parece que a coisa mais importante no mundo é ser notícia. É fazer com que todas as pessoas saibam da existência, feitos, manias, excentricidades de cada um.

Se não somos assim, estamos sempre à espreita para "espiar" a vida de quem se expõe ou é exposto alheio à sua vontade. Entretanto, ao contrário do que a espetacularização midiática possa apresentar, o mundo não é movido por quem aparece. Muito pelo contrário, o mundo se move por quem não se vê.

Gostamos de viajar. Quando possível, optamos pelo avião. Mas, quantos pilotos nos demos o trabalho de conhecer? Muito mal e porcamente, às vezes, nos lembramos do motorista de ônibus. No entanto, sem estas pessoas a tal viagem não seria possível.
Nunca queremos que o transporte coletivo apresente pane e pare no meio do caminho para o trabalho, escola ou mesmo lazer. No entanto, quando a viagem acontece sem transtornos, nunca queremos saber quem foi o mecânico que, com seu trabalho anônimo e silencioso, garantiu o funcionamento perfeito daquele veículo.

Gostamos de sentar no restaurante e sermos bem servidos. Saborear um prato com a dose certa de condimentos, ao dente, bem passado, mal passado etc. Mas, quantos chefs de cozinha nos propomos a agradecer pelo excelente prato que consumimos?

Queremos andar em nossas cidades e encontrar tudo muito limpo. Sem mato, sem papel no chão, sem lixo amontoado. No entanto, sequer oferecemos um copo d'água para o anônimo que passa com a vassoura e o balde limpando tudo. Também não fazemos o menor gesto de reconhecimento para os operários que com suas máquinas cortam o mato do caminho que passamos diariamente.

Só nos lembramos dos anônimos quando alguma coisa dá errado. Se o carro quebra, se o avião cai, se o mato toma conta, se vem lagarta na salada, logo temos peito e voz para reclamar. Por menos usual que seja, acredito que podemos melhorar este comportamento e fazer as pessoas cientes do quanto elas são importantes por tudo o que fazem, por mais simples que seja o seu trabalho.
Minha mente viaja e ainda tenho inúmeros personagens que não conheço os rostos, não sei seus nomes. Mas suas ações, seus esforços, a intensa dedicação de suas vidas, de alguma forma, já me alcançaram, me alcançam e vão continuar a estender sua sombra sobre a minha vida.

Os professores são exemplos de anônimos clássicos. Quantos dos seus ex-alunos estão construindo, teorizando, criando, inventando coisas, conduzindo projetos de todos os tamanhos, graças à sua habilidade e desejo de estimular o conhecimento?
Qualquer que seja a área da vida que alcancemos destaque, quer seja diante de Deus ou dos homens, os resultados serão vistos pelos contemporâneos, mas só podem ser justificados graças às contribuições voluntárias e involuntárias daqueles que cruzaram a trajetória das nossas vidas.

Podemos fazer pessoas felizes, semeando gratidão. Hoje, somos reflexo do ontem. Amanhã, seremos exatamente frutos de agora. Proponho que aprimoremos o hábito de enxergar aqueles que ninguém vê e dar a eles a digna honra negada pela mídia, mas abundante no coração que é grato.

 
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