Dor, separação e esperança

Em meio ao turbilhão de emoções e pensamentos, preciso, ao menos, tentar organizar as palavras para registrar meus agradecimentos a cada irmão e amigo que se solidarizou com a minha família por causa dessa partida do meu irmão Samuel de modo tão repentino, e para machucar ainda mais a alma, vítima de tanta crueldade. Eu sei que Deus, se assim quisesse, poderia ter impedido a fatalidade. Poderia ter manifestado algum livramento. Mas como Ele é o Senhor da vida e da morte, preferiu tomá-lo para Si. Como bem disse o Patriarca Jó: "O Senhor o deu, o Senhor o tomou: bendito seja o nome do Senhor" (Jó 1:21).

Foram centenas de amigos e irmãos que se manifestaram pessoalmente, por telefone, por e-mail, pelas redes sociais. Em cada abraço um silêncio carregado de discurso que não precisava de palavras, mas que precisávamos ouvir. Que Deus, o Senhor Soberano, Todo-Poderoso, que está acima de todos e de tudo, possa vos alcançar com toda sorte de bênçãos na mesma medida como cada um se empenhou para abençoar aos meus.

Deus reservou 11.294 dias para a breve vida do meu irmão Samuel de Carvalho Moura. Ele deu seu primeiro brado de vida às 11:05 da manhã de uma quinta-feira, dia 30 de julho de 1981. Foi um nascimento difícil, o mais complicado de minha mãe. Ela quase veio à morte, mas Deus poupou a ambos. Quando ele tinha meses de vida, minha mãe o deu como morto nos seus braços até quando meu pai chegou, o levantou aos céus, clamou a Deus e ele recobrou vida.

Por sermos irmãos sanguíneos vivenciamos aquelas turbulências típicas na adolescência e início da juventude. Ele era genioso, temperamento forte e, por ser sempre muito mais musculoso do que eu, apesar de mais novo, jamais me atreveria a entrar num confronto corpo-a-corpo com ele. Com certeza, ele me venceria. Contudo, irmão é assim mesmo. Por mais que tenhamos conflitos, nos amamos, somos aperfeiçoados graças ao que cada um nos dá e nos toma. 

Nenhum momento de conflito é forte ou longevo demais para bloquear o amor que devotamos um ao outro. Não tive coragem de me aproximar de seu leito derradeiro, do sono que não vai mais acordar até o dia em que o Senhor Deus o fizer ressuscitar. 
Por absoluta falta de coragem não queria registrar na minha memória o seu corpo inerte. Prefiro vê-lo correndo pelos campos, mancando dentro de casa por causa das "peladas" de futebol. Prefiro vê-lo saindo de casa com sua vara de pesca e seu saco de iscas. Não era o mais exímio pescador, mas gostava da arte. 

Até o dia em que eu morrer ou quando as profecias se cumprirem, prefiro me recordar do menino indefeso, que diante da enfermidade, com a garganta inflamada (um mal que sempre acometia) pediu meu abraço e minha companhia. Nesta época, estávamos em Rondônia, na cidade de Guajará-Mirim. Prefiro até lembrar dele bravo comigo, mas não queria levá-lo mudo, no sono profundo.

De agora, até o dia que Deus de mim se compadecer e também me chamar, vou levar a memória dele e do meu irmão Abimael Moura correndo pela vegetação árida do sudoeste baiano onde vivemos em Brumado e Aracatu. Vou digerir sempre a imagem do baterista apaixonado e, como bem pede a função, barulhento. 

Nunca vou ter o mesmo espírito despachado, alegre, sarrista que lhe era peculiar. Não sei ser torcedor vascaíno como ele, nem sou tão contundente como anti-corintiano como ele era. Tinha uma inveja branca de sua força física que, provavelmente, nunca vou chegar a ter. 

Ele partiu. Sua vida foi breve sob a minha ótica e de todos os amigos e irmãos, mas foi o tempo suficiente sob a visão daquele que chamo de Todo-Poderoso. Neste tempo, ele foi motivo de aprendizado sobre perdão, tolerância, paciência, disposição. 
Na minha limitação humana, contava que essa etapa de vida que lhe foi privada, nos permitisse a comunhão que é fruto da maturidade. Dizem que a década dos trinta nos traz uma outra postura diante da vida, da família, dos amigos. Acredito, piamente, que a cabecinha dele estava se realinhando em muitos sentidos. Estava em plena comunhão com a igreja de Deus, exercendo seu talento musical como baterista, soube até que estava planejando me meu sexto sobrinho, mas, infelizmente, não vai ser assim.

Agora, resta-me aguardar a sucessão dos dias e as lições que devem advir de tudo isso. Após ver o seu corpo baixar a tumba fria, à mesma hora que nascera, cheguei em casa e recorri ao Livro Sagrado e em suas páginas li a oração do rei Davi: "Ensina-me a fazer a tua vontade, pois és o meu Deus. O teu Espírito é bom; guie-me por terra plana. Vivifica-me, ó SENHOR, por amor do teu nome; por amor da tua justiça, tira a minha alma da angústia." (Salmos 143:10-11)

Como aprendi há algum tempo, não me cabe questionar de Deus o porquê, mas, sim, aguardar o pra que. Meu pastor Esequias Soares diz sempre nesses momentos que "não devemos colocar um ponto de interrogação, onde Deus colocou um ponto final". Enquanto espero ser melhorado, refeito, uma vez que me sinto despedaçado, resta a mim e a tantos quantos têm esta esperança trabalhar para que as profecias se cumpram e possamos, finalmente, viver a promessa do livro da Revelação: "E Deus limpará de seus olhos toda a lágrima; e não haverá mais morte, nem pranto, nem clamor, nem dor; porque já as primeiras coisas são passadas." (Apocalipse 21:4).

Seja lá quando e como Deus quiser cumprir esta e outras tantas promessas, alimento a minha fé (desejo que outros assim também o façam) de que Ele é Fiel em suas promessas, não nos desampara, não nos deixa. A todos, muito obrigado. Tenham certeza que cada um à sua medida foi instrumento de Deus para que Ele dissesse: "Estou aqui." Em breve, poderemos rever o Samuel de Carvalho Moura ou simplesmente Kokinho, Samuca. Ele não vai estar deitado, ferido, mas estará de pé, glorificado, com corpo incorruptível e, enfim, teremos vitória sobre este último inimigo: a morte. 

Partilho com todos as palavras do Livro Santo que me refrigeraram a alma. Desejo que o mesmo aconteça com cada um que for alcançado por essas palavras mais doces que os favos de mel. As únicas capazes de superar o amargo fel da dor e da angústia. 




Continuo contando com as orações de todos pelos meus pais Manuel e Ana, pelos meus irmãos Abimael e Cristina, pelos meus cunhados Ailton e Karine, pelos meus sobrinhos Abner, Allana, Davi, Isac e Eduardo e pelos meus tios Agnaldo e Adriana.

1 comentários:

Unknown disse...

Emanuel,

Bela homenagem que sai um coração sincero verdadeiro. Ao ler suas palavras, meu coração doi a dor da perca, junto com você. Mas ao mesmo tempo sinto, da mesma forma, brotar a esperança de um dia,Deus sabe quando, veremos novamente aqueles que partiram antes de nós. Amamos você!

 
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