Entre o pranto e o canto

O dia 12 de janeiro entra para a história do Brasil por razões que a ninguém enche de orgulho. A data jamais será motivo de euforia. Pelo contrário, por muitas décadas, deverá ser capaz de lançar milhares de pessoas em profunda melancolia.

Enquanto milhões de brasileiros dormiam, alguns milhares de cariocas, na região serrana do Rio, mergulhavam num mundo de dor e lágrimas. Sangue, mutilação, angústia, súplicas pela vida, pedidos de socorro, gritos desesperados em busca de um filho, de uma esposa, do neto, da avó, do amigo...


O impacto na mente dos sobreviventes é tamanho que eles admitem serem afligidos pelas lembranças todas as vezes que colocam a cabeça sobre o travesseiro. A memória parece não querer dar descanso às almas dilaceradas pela dor. A morte mostrou sua força e poder de alcance. Ricos e pobres, crianças e adultos, crédulos e ateus. Para ela, a morte, o que usamos para nos diferenciar são argumentos inúteis.

Quando os demais brasileiros começavam a tomar suas rotinas de trabalho, o café da manhã aconteceu assistindo imagens aterradoras de morros que pareciam criar pernas e braços para se lançar sobre suas vítimas.

Fomos e estamos sendo impactados por cenas que a maioria de nós jamais viu. Além de vermos cursos de rios alterados, montanhas de pedras, casas destruídas, árvores arrancadas pela raiz, o contador da morte parece não se cansar de aumentar e nos impressiona.


A dor dos brasileiros se multiplica à das vítimas, ainda que em escala infinitamente menor. Cada notícia recebida por TV, rádio ou jornal encontra em nós um misto de comoção e perplexidade. No meu pequeno curso de vida, recordo-me de ter visto o Brasil chorar tal como agora em poucas ocasiões: na doença e morte de Tancredo Neves (1985) e na morte trágica de Ayrton Senna (1994). Outros deslizamentos e inundações em Santa Catarina (2008) Alagoas, Angra, Minas Gerais, Niterói, Pernambuco, São Paulo (2010) também nos moveram ou sensibilizaram de alguma forma, mas não na proporção atual.

É certo que jamais nos mobilizamos tal como nesta tragédia da região serrana do Rio de Janeiro. Se o marco da morte nos provoca um pranto coletivo, a celebração e luta pela vida nos dá a oportunidade de entoar um canto de alegria.

 

Aprendizado

As centenas de mortos, os resgatados, os milhares de desabrigados e desalojados oferecem material para uma profusão de jornais, páginas na Internet, livros, filmes, documentários e tudo o mais. A cada relato da perda de famílias inteiras, enquanto esboça-se um sorriso pela manutenção da vida, a lágrima corre pelo canto do olho por causa das marcas da morte. Para quem ouve cada história, quer esteja a centímetros ou milhares de quilômetros de distância, a emoção toma conta.


Embora não questione a soberania da vontade divina, esse é um momento em que as perguntas se multiplicam. Entre os meus questionamentos ao Todo-Poderoso já apresentei a demanda: 'Senhor, qual o teu propósito em tudo isso?'.

Entretanto, não perco de vista que erramos. Mais que procurar um bode expiatório ­–ainda que fosse encontrado, não resolveria o problema­–, devemos assumir coletivamente as culpas. Erramos quando nos penduramos no topo dos morros ou nos assentamos aos seus pés. Erramos quando, sendo autoridade dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, não cumprimos com a responsabilidade de tomar medidas, mesmo que sejam impopulares, para garantir a integridade das pessoas.

 

Conexão

Ainda teremos muitas lições para tirar desta tragédia. O mínimo que podemos fazer é aprender. Em homenagem às vidas que se foram, temos a obrigação de crescer como seres humanos. Temos que crescer individual e coletivamente. Encho-me de esperança e quero acreditar que uma boa semente está sendo semeada no coração de um grande número de pessoas.


Estamos percebendo que as diferenças que a morte não considera, são pequenas demais para justificar o orgulho, egoísmo e o individualismo que tão frequentemente nos assaltam e, infelizmente, nos separam. Estamos muito mais conectados uns aos outros do que concebe a nossa vã filosofia. Esta conexão entre as pessoas se manifestou em muitos momentos ao longo destes últimos dias.

A cada resgate uma lição. Ilair Pereira de Souza foi salva pelos vizinhos que usaram uma corda enquanto sua casa era decomposta pela enxurrada. Após 16 horas, Marcelo Pinheiro Fonseca foi retirado de sob quatro metros de escombros. O bebê Nicolas, de apenas seis meses, e seu pai Wellington da Silva Guimarães sobreviveram sob escombros por 15 horas, sendo que a criança foi hidratada com a saliva do pai.

 

Celebração

Contribuir com o resgate de uma pessoa infunde uma alegria que transcende a lógica. Leonardo Vargas, um dos voluntários da Defesa Civil em Nova Friburgo, que atuou no resgate de Marcelo declarou ao Fantástico (Rede Globo) a sua sensação por salvar uma vida: "ser pai, se não mais". Ele disse a um amigo: "nem quando meu filho nasceu, eu fiquei tão feliz, porque ele [Marcelo] nasceu de novo. A impressão que você tem é de estar tendo um filho, nascer de novo. É o que resume essa alegria: você está pegando seu filho no colo". Um xará do sobrevivente, Marcelo Pessoa da Silva, relatou na mesma reportagem que no momento do resgate "Foi choro para todo lado. As lágrimas desceram mesmo, batendo palmas". Isso ilustra um pouco da riqueza que ainda existe na alma do ser humano.


Somos limitados, fracos, finitos, impotentes isso é fato. Mas isso está restrito ao corpo. O que realmente importa é a nossa composição espiritual que vem de Deus. É por esta composição que descobrimos o poder que há no estender da mão, na voluntariedade, na disposição para servir. Estou me alimentando da esperança de que a mobilização de milhares de pessoas é a plantação de uma semente do bem nos corações de quem doa, de quem recebe a ajuda e até mesmo em quem, por qualquer motivo, ainda não tomou uma decisão de participar.

Em meio ao turbilhão de informações, análises e julgamentos, minha esperança é de que todo este sofrimento no corpo físico nos proporcione crescimento na alma.

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