Um coração de boa memória

"A gratidão é alimentada e impulsionada por uma boa memória"

"Quero trazer à memória o que pode me trazer esperança." (Lamentações de Jeremias 3:21). Em meio ao caos que Jeremias registrou após 40 anos profetizando que Israel sofreria a pena por sua dureza espiritual, exatamente no meio do livro de seu cântico, no capítulo 3 ele insere um atestado de confiança no cuidado de Deus. 
À luz desta resolução do profeta, aprendo que temos a necessidade de estar sempre trazendo à memória as operações de Deus em nossas vidas. Não importa o que foi feito, mas se foi Ele quem operou, não seríamos dignos de receber, Ele o fez por absoluta graça e misericórdia.
Embora Deus tenha uma memória que não esquece de nada do que fazemos em prol de sua obra, a mente humana precisa de alguns recursos para que a memória seja ativada da melhor maneira. Entendo que, por isso, Jesus instituiu a Santa Ceia. Caso contrário, o sacrifício do Calvário teria sido esquecido logo após a morte do último membro da geração que viu a expiação.

O salmista fala sobre os sucessivos esquecimentos aos feitos de Deus por parte de Israel. "Nossos pais não entenderam as tuas maravilhas no Egito; não se lembraram da multidão das tuas misericórdias; antes o provocaram no mar, sim no Mar Vermelho. Porém cedo se esqueceram das suas obras; não esperaram o seu conselho. Esqueceram-se de Deus, seu Salvador, que fizera grandezas no Egito" (Salmo 106:7, 13, 21). 

Para contrastar, no mesmo salmo a memória de Deus é apresentada: "Lembra-te de mim, SENHOR, segundo a tua boa vontade para com o teu povo; visita-me com a tua salvação. E se lembrou da sua aliança, e se compadeceu segundo a multidão das suas misericórdias." (vv. 4, 45). O profeta messiânico, Isaías, revelou anos mais tarde à escrita do salmo: "Porventura pode uma mulher esquecer-se tanto de seu filho que cria, que não se compadeça dele, do filho do seu ventre? Mas ainda que esta se esquecesse dele, contudo eu não me esquecerei de ti." (Isaías 49:15).

O salmista também ordenou: "Lembrem-se das maravilhas que ele fez, dos seus prodígios e das sentenças de juízo que pronunciou" (Salmo 105:5). Quem tem boa memória espiritual, faz crescer um espírito grato, confiante e pautado nas promessas de Deus e não nas circunstâncias.
Quem esquece das promessas de Deus desenvolve o medo e entrega os pontos. Hagar, no deserto, com Ismael esqueceu da promessa feita a ela quando ainda estava gerando o rapaz. 

No capítulo 6 do livro de Gênesis está a promessa: "Então lhe disse o anjo do SENHOR: Torna-te para tua senhora, e humilha-te debaixo de suas mãos. Disse-lhe mais o anjo do SENHOR: Multiplicarei sobremaneira a tua descendência, que não será contada, por numerosa que será. Disse-lhe também o anjo do SENHOR: Eis que concebeste, e darás à luz um filho, e chamarás o seu nome Ismael; porquanto o SENHOR ouviu a tua aflição. E ele será homem feroz, e a sua mão será contra todos, e a mão de todos contra ele; e habitará diante da face de todos os seus irmãos. E ela chamou o nome do SENHOR, que com ela falava: Tu és Deus que me vê; porque disse: Não olhei eu também para aquele que me vê?" (Gn. 6:9-13).

Anos mais tarde, uma vez despedida por Abraão, o contexto se tornou ruim: acabou a comida, acabou a água e a morte parecia certa. Mas havia uma promessa de Deus para Ismael que fora proferida no capítulo 6.Quando Hagar entrega os pontos por causa da memória fraca Deus novamente intervém:
"E consumida a água do odre, lançou o menino debaixo de uma das árvores.
E foi assentar-se em frente, afastando-se à distância de um tiro de arco; porque dizia: Que eu não veja morrer o menino. E assentou-se em frente, e levantou a sua voz, e chorou. E ouviu Deus a voz do menino, e bradou o anjo de Deus a Agar desde os céus, e disse-lhe: Que tens, Agar? Não temas, porque Deus ouviu a voz do menino desde o lugar onde está. Ergue-te, levanta o menino e pega-lhe pela mão, porque dele farei uma grande nação. E abriu-lhe Deus os olhos, e viu um poço de água; e foi encher o odre de água, e deu de beber ao menino. E era Deus com o menino, que cresceu; e habitou no deserto, e foi flecheiro."(Gênesis 21:14-21)

Entre os 12 espias enviados por Moisés para conhecer a terra de Canaã, apenas Josué e Calebe tinham boa memória espiritual. Pela péssima memória dez deles estavam focados nas limitações e não nas possibilidades, preferiam superestimar o inimigo e, pior, queriam voltar para o Egito e serem escravos mais uma vez. "Porém, os homens que com ele subiram disseram: Não poderemos subir contra aquele povo, porque é mais forte do que nós. Éramos aos nossos olhos como gafanhotos e assim também éramos aos seus olhos" (Num. 13:31, 33; 14:4). Quem esquece as promessas constrói seu discurso centrado no inimigo, vaticinando a própria derrota. Se nos deixamos vencer pela desesperança, que é um sinal de memória espiritual fraca, agimos com covardia, nos esquivamos, fugimos das responsabilidades e, por vezes, adotamos o discurso da derrota antes mesmo da batalha. 

Com boa memória espiritual, Josué e Calebe se diferenciaram na sua geração. Tinham coragem, confiavam no Senhor e tinham fé suficiente para animar aos demais, quase se tornaram vítimas dos incrédulos e murmuradores, mas foram resguardados pelo Senhor. 
"E Josué, filho de Num, e Calebe filho de Jefoné, dos que espiaram a terra, rasgaram as suas vestes. E falaram a toda a congregação dos filhos de Israel, dizendo: A terra pela qual passamos a espiar é terra muito boa. Se o SENHOR se agradar de nós, então nos porá nesta terra, e no-la dará; terra que mana leite e mel. Tão-somente não sejais rebeldes contra o SENHOR, e não temais o povo dessa terra, porquanto são eles nosso pão; retirou-se deles o seu amparo, e o SENHOR é conosco; não os temais. Mas toda a congregação disse que os apedrejassem; porém a glória do SENHOR apareceu na tenda da congregação a todos os filhos de Israel." (Num. 14:6-10)

Gideão é um exemplo de quem tem boa memória, mas não está agindo de acordo com o que pode. Apesar de não estar no melhor lugar para fazer seu trabalho, ele queria ver na sua geração a realização dos feitos que ouvia falar. Sua postura questionadora não foi discriminada pelo Anjo do Senhor, pelo contrário, foi endossada pela palavra: "Vai nesta tua força". "Então o anjo do SENHOR veio, e assentou-se debaixo do carvalho que está em Ofra, que pertencia a Joás, abiezrita; e Gideão, seu filho, estava malhando o trigo no lagar, para o salvar dos midianitas. Então o anjo do SENHOR lhe apareceu, e lhe disse: O SENHOR é contigo, homem valoroso. Mas Gideão lhe respondeu: Ai, Senhor meu, se o SENHOR é conosco, por que tudo isto nos sobreveio? E que é feito de todas as suas maravilhas que nossos pais nos contaram, dizendo: Não nos fez o SENHOR subir do Egito? Porém agora o SENHOR nos desamparou, e nos deu nas mãos dos midianitas. Então o SENHOR olhou para ele, e disse: Vai nesta tua força, e livrarás a Israel das mãos dos midianitas; porventura não te enviei eu?" (Juízes 6:11-14).

Que tenhamos todos uma memória melhor, pautada no que Deus já fez e nas promessas que Ele mesmo garantiu que vai fazer.

Inveja da Líbia

Amadureci com a informação de que a inveja é um sentimento pecaminoso. Acredito que realmente o seja, mas devo confessar que em alguns momentos ela parece ser a coisa que mais quer prevalecer na mente.
De acordo com o Google, em linha reta, estamos há mais de 8.900km de distância de Trípoli, capital da Líbia. Mesmo a esta distância, nunca estive tão envolvido por um povo quanto estive nos últimos dias pelos líbios.
Embora lamente a morosidade que eles tiveram para uma reviravolta contra quase 42 anos de ditadura de um tirano, sou obrigado a atribuir-lhes a presunção da inocência uma vez que não conheço as razões que fizeram com que se mantivessem em condição tão subserviente por tanto tempo.
De qualquer forma, a deposição de Kadhafi do governo, embora pareça tardia, deve ser mesmo muito celebrada pelos líbios e os povos de outras nações da terra devem aprender com o caso.
E o que isso tem a ver com a inveja que citei no primeiro parágrafo? Tive inveja da disposição dos líbios em lutar pelo que eles entendem ser liberdade.
Problemas diplomáticos internacionais à parte, eles, os líbios, empunharam armas, dispuseram-se a doar as próprias vidas em prol de uma causa. Aqui a inveja apoderou-se de mim. Procurei por uma palavra que fosse menos pesada para traduzir o que senti, mas acabei ficando com inveja mesmo.
De acordo com o dicionário ela, a inveja, pode ser definida como 1) Misto de desgosto e ódio provocado pelo sucesso ou pelas posses de outrem; 2) Desejo intenso de possuir os bens de alguém ou de usufruir sua felicidade.
Para este momento fico com a última definição: "desejo de usufruir a felicidade de alguém". Isso porque desejei a felicidade que parte da população líbia está sentindo por ser ver livre do homem que pode ter seu nome grafado de 112 maneiras, segundo um site de notícias português.
Não estou com inveja a ponto de querer que os líbios se percam neste processo de transição, mas estou com inveja a ponto de perguntar porque eu e mais outros tantos milhões de brasileiros não temos a mesma postura para lutar pelo nosso país.
Alguém poderá dizer que não precisamos disso porque, como canta Benito Di Paula, moramos "em um país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza, mas que beleza!".
Com versos que exaltam as belezas naturais sobre as quais não aplicamos nenhum esforço para construir, mas nos empenhamos arduamente para destruir, nos anestesiamos contra coisas que deveriam nos causar dores, asco, revolta, e, no ápice dos sentimentos, nos levar à mudança.
Tenho inveja dos líbios porque, em algum momento, eles decidiram que queriam mudar. Cá pelos trópicos, fico a me questionar quando e se vamos querer, de fato, viver num país mais justo e igualitário.
Posso mesmo estar parecendo melancólico, talvez melodramático, mas não consigo abafar este grito. O fato é que sinto-me vencido, sem expectativa, quase derrotado por um sistema de coisas que prefere o jeitinho à solução, a enrolação ao planejamento, a corrupção à ética.
Temos sidos bombardeados por situações escandalosas, denúncias, acusações. Algumas comprovadas, outras apenas fruto de gente mal intencionada e nada comprometida com o desenvolvimento do país.
De qualquer forma, cheguei a uma conclusão dolorosa, que me dá uma clareza que não gostaria de chegar. Nos queixamos da corrupção de políticos. Mas pergunto: quem os escolheu? Somos um povo sem educação e, ao que parece, não estamos interessados em estudar.
A grande maioria de nós é facilmente enganada. Se interessa e reproduz fofoca, mas não tem o menor interesse em conhecer o que está registrado e pode ser comprovado. Se o povo líbio comemora a liberdade pós-ditadura, temos ao menos que sonhar com o dia que nos veremos livres das cadeias do comodismo e conformação.

As notícias que ninguém publica

O jornalista Pedro Bial afirmou certa vez: "Nas viagens de cobertura jornalística, as melhores histórias nunca chegam a ser contadas". Ao me deparar com uma afirmação tão contundente que vem assinada por uma pessoa com bagagem tão densa comemorei pelo fato de ter alguém que concorda comigo e lamentei porque, como não se publica as melhores histórias, somos bombardeados com as piores.

Não quero com isso defender um noticiário apenas com pétalas de rosas e leite de colônia. A guerra talvez exista para que saibamos valorizar a paz. Falando nisso, é engraçado -para não dizer ridículo- que a mente humana apresenta argumentos sobre como estabelecer a paz a partir da fabricação de armas de guerra e do treinamento de soldados prontos para matar, mas nem tão dispostos a morrer.

Mas, voltemos para o que inspirou a coluna desta semana. A partir da reflexão de Bial passei a ponderar sobre as riquíssimas histórias que estão guardadas em cada pessoa. Acumuladas em uma família, numa vila, no ambiente de trabalho, na escola, na igreja, na arquibancada de um estádio, nos barracões, nas mansões, nos casebres, nos viadutos e castelos.

Como outros milhões de brasileiros, utilizo sempre uma Mercedes, com motorista particular que tem o costume de pegar muitos 'amigos' por onde passa. Mesmo sendo um veículo de grife, acaba ficando um pouquinho apertado pelo tanto de 'amigos' que precisam utilizá-lo. Quase sempre é tanta gente que uso algumas barras estrategicamente distribuídas na Mercedes para não beijar o chão forçadamente. Ai de mim não fossem elas!

Nesta Mercedes já vivi experiências que fariam inveja a qualquer atleta de esportes radicais. Isso porque alguns dos meus diletos motoristas quase comportam-se como pilotos de Fórmula Indy. Mesmo não tendo um tapete para deslizar seus pés de borracha. Aliás eles trafegam sobre vias que mais lembram o solo lunar. Mesmo assim, divertem-se com manobras que fazem levar a mão à boca para impedir que os lábios se movimentem e emitam sons de palavras pouco decorosas.

Momentos de adrenalina à parte... Dentro destas Mercedes, que vulgarmente chamamos de 'busão', sempre ponho-me a pensar sobre quantas histórias tem em minha volta que jamais poderei conhecer. Esse desconhecimento é fruto ou da timidez de seus protagonistas ou pelo desinteresse de qualquer pessoa em registrá-las.

Talvez muitos destes personagens de carne e osso só se tornassem interessantes para a massa se fossem alvos de tiro, sequestro relâmpago, acidentes 'ultra-mega-master' espetaculares e outras tragédias.
Infelizmente, este interesse que alimentamos apenas pelo que é grotesco é mais velho e poderoso que eu. As páginas dos jornais, as reportagens de rádio e TV, as publicações da Internet vão sempre destacar o vil e relegar o belo a uma pincelada. O gracioso desperta menos interesse que o monstruoso. A dor aguça mais a curiosidade que o prazer. A derrota alheia parece dopar a plateia pela simples conclusão: 'ainda bem que não foi comigo'.

Se, contudo, as histórias de gente simples não vendem jornais e revistas, tão pouco dão audiência em televisão, proponho que ao menos tentemos conhecer o universo infinito e sempre inexplorado destas dezenas, centenas, milhares e milhões de pessoas que nos cercam todos os dias e que, para facilitar a identificação, simplesmente chamamos de próximo.

Estes "próximos" são pais que tentam dar o melhor para seus filhos. Uns conseguem, outros não.  São maridos que cuidam de suas esposas no leito de morte. Umas sobrevivem, outras partem. São filhos que sonham com a cura do pai. São crianças que apenas querem crescer no mundo que possa ser chamado de decente.

Suas notícias podem não virar documentário de TV, mas podem enriquecer, e muito, a vida daqueles que com eles optarem por aprender e, de modo absolutamente simples e grandioso, crescer.

 
Design by Wordpress Theme | Bloggerized by Free Blogger Templates | coupon codes