Devaneios sobre tecnologia, amizade e afins

Andam me dizendo que a internet oferece um mundo infinito de descobertas. É verdade. Não posso discordar, se o fizer, seria um louco. Embora apresente sintomas que deixam o estado clínico de sanidade mental em xeque, enquanto conseguir organizar as ideias e entender que não devo sair na rua pelado, nem colocar sal no café ou açúcar no refrigerante, de acordo com os métodos convencionais de análise da normalidade ou anormalidade, ainda fico no grupo dos normais ou quase.

Quando o Brasil ouviu as primeiras transmissões de rádios no dia 7 de setembro de 1922, no Rio de Janeiro, com a voz do presidente da República Epitácio Pessoa, o que se preconizava entre os comunicadores de então é de que o novo meio de comunicação permitiria a inclusão das pessoas. Seria possível oferecer música erudita para todos de modo que a população se tornasse a mais "europeizada" possível.
À época, os modelos europeus eram sempre os mais exaltados (e ainda o são). Na demorou muito tempo, e o senhor Getúlio Vargas autorizou que se inserisse a publicidade a partir do decreto 21.111 que normatizava a nova forma de comunicação. Assim, a alvissareira vocação do rádio como elemento estritamente cultural, erudito e educacional foi esbagaçada na parede como cabeça de lagartixa estilingada por moleque.

Tempos depois, chegou a TV. Cá pelas bandas do trópico de Capricórnio foi trazida pelo idealismo de Assis Chateaubriand. Inteligentíssimo, capaz, mas também mordaz. Tal qual Roquette Pinto com o rádio nos anos 1920, Chatô vislumbrava na TV uma revolução educativa. Idealismos à parte, nem é preciso falar sobre o que a televisão virou. Comparar Ibope de uma TV comercial ao de uma que tem propostas educativas como Cultura, Futura e coisa que o valha.

Graças à 2ª Grande Guerra, temos hoje esse universo paralelo que simplesmente chamamos de Internet. Uma gigantesca 'coisa' não palpável. Há pouco tempo introduziu-se o conceito de web 2.0 que, em síntese, quer indicar a participação e interação nos sites, blogs, álbuns etc. Qual não é a minha surpresa quando encontro grafados pelo 'Pai Google' o termo web 8.0 (!!!). Socorro! Eu nem aprendi direito o conceito do 2, já tem o 8. Mas, azar o meu. O mundo gira e o faz como bêbado em fim de festa. Sem rumo e em velocidade desenfreada.

A mais promissora do bordel
Quando a senhora Internet surgiu na esquina da história, parecia a prostituta mais promissora do bordel. Seria capaz de dar tanto ou mais prazer que qualquer boa e recatada esposa. Suas curvas sinuosas, seu vigor, sua intensidade, seus mistérios se tornaram a melhor receita para profetizar uma mudança jamais vista na história da comunicação entre os homens. Os profetas do século 23 estavam materializados no final do 20 para dizer a todo mundo que o livro não mais existiria porque todo mundo ia usar o computador para ler, se informar e multiplicar o conhecimento com a mesma profusão com que os bits se organizam para compor imagens, textos e sons.

Não demorou muito e as profecias tiveram que ser adaptadas para dizer que, na verdade, a revolução estaria mesmo é no celular. Isso porque o 'falador portátil' se tornou mais que isso. Hoje, ele até fala, mas já não é mais concebido exclusivamenteo para isso. Esses avanços e surpresas dos equipamentos, do PC Cobra aos andróides, deram à Internet um poder de atração e sedução que faria inveja a qualquer buraco negro.

Entretanto, assim como o rádio e a televisão, a Internet realmente explodiu, mas não como ferramenta educativa, mas de entretenimento e lazer. Não é à toa que o tema mais pesquisado no mundo, desde que não tenha um Michel Jackson morrendo, é o sexo. Na internet eu sou quem quiser ser. Trabalho onde quiser. Defendo anonimamente desde a barbárie à doçura. Posso me anestesiar e dizer que tenho muitos amigos (todos virtuais). Se estou à frente de uma tela, sou risonho com meus (rs.. rs.. rs.. ou kkkk), embora, ao vivo, não passe de uma porta.

Hoje, vejo a internet como um enorme shopping center. Um espaço cheio de opções, onde posso me confraternizar com os amigos; passear entre os corredores; comentar o visual over da adolescente; a má combinação do casal cujo homem é uma tripa e a mulher um fardo; ter espasmos com alguém que chama a atenção pela estética e glamour, enfim, num shopping sentamos na praça de alimentação muito menos para acalmar as lombrigas do que para azarar, satirizar, rir de si e, preferencialmente, gargalhar dos outros. Que ninguém ouse abrir a boca para discutir a filosofia da "rebimboca da parafuseta" ou a etmologia de "ripa-na-chulipa-e-pimba-na-gorduchinha". O shopping é o lugar dedicado ao ócio (exceto para os lojistas) e para a satisfação dos desejos de consumo e associação de grupo.

Profusão de informação
A maioria dos shoppings dispõe de uma livraria. A proporcionalidade de pessoas que passeiam entre as gôndolas de uma 'casa de livros' e as que vagam entre as lojas de roupas, acessórios, móveis etc é de fazer corar até o bico de um sabiá. Assim mesmo é a senhora Internet. Ela tem seus compartimentos que abrigam conhecimento e dos bons. Sites de bibliotecas virtuais, dissertações e teses disponibilizadas integralmente para usufruto de tantos queiram consumir conhecimento. Entretanto, para que vou querer conhecimento que robustece a mente, se posso apenas usufruir coisas que me dão prazer imediato e sem esforço? Melhor ficar no YouTube por horas a fio para ver ou rever as vídeocasseta dos programas de TV.

O fato é que quem quer conhecimento já dispõe de material suficiente para ler, comparar, conferir, refutar e/ou acatar. O que pesa não é o conteúdo, mas a forma de depuração e absorção do mesmo. Logo, isso passa pela capacidade ou não de leitura, análise, interpretação e aproveitamento do que existe. Quer esteja no blog de um Reinaldo Azevedo ou Fernando Rodrigues, quer esteja no site do Estadão, Folha, Uol, Bol, G1, R7, BandNews, não importa. O conteúdo existe.

Que ninguém diga que não gosto de Internet. Na verdade, se fosse uma coisa para amar, desenvolveria uma avassaladora paixão. Mas, não é o caso. Gosto da interação, gosto de ver a foto do amigo que há muito não vejo, gosto de ouvir as músicas que não tenho interesse de comprar o CD ou o MP3 de quem dita os hits do momento, mas quero curtir o que está nas paradas de sucesso. Uma, dentre as muitas vantagens da Internet, é a possibilidade de tornar pública as minhas opiniões, minhas realizações, parte dos meus sonhos e desejos. Posso mostrar para todo mundo a viagem que fiz, o prato especial que pedi em um bom restaurante, a roupa nova que vesti para a festa de formatura. Enfim, tento me comunicar, me expressar, fazer valer minha identidade, ressaltar minha individualidade e mostrar ao meu grupo social imediato ou aos grupos sociais em seu entorno que existo, só não tenho certeza se realmente penso.

Ainda que a internet seja tão tentadora e avassaladora em seu poder de sedução, fico pensando que preciso desesperadamente saber me desvencilhar dela. Preciso torná-la uma ferramenta, não, uma corrente, uma companhia, não uma dona, uma estimuladora e não uma mutiladora. Digo isso, porque ao invés de perder horas teclando com amigos virtuais, é muito mais profundo e enriquecedor se eu me dispuser a falar face a face.

Coisa de pele
Não quero a velocidade de uma teclada, quero a pressa e intensidade da comunicação profusa e profunda que se pode estabelecer pela troca de olhares, pelo toque, pelo silêncio, pelo brado, pelo sussurro, pela lágrima, pelo sorriso, pelo franzir da testa, pelo torcer dos lábios.
Não quero apenas a frieza e objetividade de um SMS, quero uma comunicação téti-a-téti. Não quero o racionalismo de um e-mail extenso para dizer que sou um amigo ruim, um funcionário medíocre, um associado inoperante ou um romântico sem lirismo. Quero a passionalidade de uma discussão cara a cara, olho a olho, dente a dente. Quero o calor que esquenta a face quando sou contrariado e quero o abraço e o beijo de quando sou reconciliado.

Não quero as mensagens clichês de Orkut, quero o improviso de uma conversa sem censura com o uso do código linguístico. Não quero a perfeição dos bytes, quero a desordem absolutamente concatenada das células. Quero a força voluptuosa da comunicação que sai da alma, que transcende o corpo, que toca o espírito e me faz, simplesmente, um ser humano. Humano limitado e imperfeito, graças a Deus! Afinal, se já fosse ilimitado e perfeito, não teria porque interagir. Não teria porquê chorar com os que choram. Não precisaria de ninguém. Seria autosuficiente e, se assim o fosse, a vida seria um tédio.

O próprio Todo-Poderoso optou por ter os seus adoradores de modo que pudesse se relacionar. Embora Ele não precise aprender nada, crescer, aperfeiçoar-se etc, Ele tem prazer em ser fazer conhecer.
Se isso é válido para o Criador, logo, é replicável a quem Ele concebeu como Sua imagem e semelhança. Isto é, não posso conceber a possibilidade de dar e receber refugiado atrás de uma tela de computador. Se quero crescer como ser humano, preciso de outros pares. Este contato, não vai ser 100% harmonioso e à base de mamão-com-açúcar em todo o tempo. De vez em quando, vai ter alguma coisa meio azeda, mas, o importante, é não estar estragada.

Quero a aventura da descoberta mútua. Quero o esforço de escalar a montanha, cruzar o deserto, descer o vale, arar a terra, semear a semente, regar a planta e colher os frutos de uma amizade. Quero o calor da comunhão. Quero apenas descobrir a força, riqueza e mistérios desta forma de amar que é a amizade: intensa, multiforme, multicor.

2 comentários:

Ben Oliveira disse...

Gostei do seu texto, mas acredito que você generalizou um pouco ao dizer que a internet é usada só para o entretenimento. É claro que existem muitas pessoas que acabam ficando no modo automático quando estão online, repetem todos os dias as mesmas cenas, de forma que já nem sabem mais porque ficam conectadas todo o tempo. Isso é muito relativo, está de acordo com os desejos de cada um.
Por exemplo, eu uso bastante a internet, mas procuro utilizá-la para enriquecer os meus conhecimentos, me informar, e só então, o entretenimento.
Quanto à questão dos relacionamentos, eles são mais produtivos no mundo real. Na Internet, todos criam uma máscara, mostram somente o lado que querem mostrar. Foi como você disse, rola um exibicionismo, porque tal foto é publicada e outra não? Geralmente, as pessoas querem mostrar que estão sempre felizes. Esse exibicionismo e máscara também estão presentes nos perfis do usuários, em que muitos textos parecidos são utilizados. Se você pudesse se definir em um texto, usaria a mesma definição de que outra pessoa? Acho difícil, pois ninguém é igual a ninguém. Então, por que vemos tantos perfis parecidos na internet?
Resumindo, gostei dos seus devaneios, é sempre bom poder expressar o que sentimos, nossas viagens, loucuras e pensamentos.
Abraço

Ben Oliveira disse...

Olá Emanuel,
Trocar informações e opiniões é sempre uma experiência enriquecedora.
Acredito que seja uma minoria só que saiba utilizar a internet 'corretamente'. Friso o corretamente, porque correto ou incorreto são rótulos e cada um deve usá-la da forma que melhor lhe convém.
É triste ver as pessoas sustentando um vício. Eu poderia ser considerado um viciado, já que gasto a maior parte do meu tempo conectada, mas o diferencial está na forma com o que esse tempo é passada. Cada usuário tem um perfil e suas atividades. A minha indignação são com as pessoas que ficam online e não sabem aproveitar esse tempo. A internet tem um grande potencial, mas somente se bem aproveitado.
Quanto à Classe C ter preferência às redes sociais, acredito que não seja algo de classe, a tendência é que todos façam parte das redes sociais. Aí entra outra questão, a forma que as pessoas gastam este tempo dentro das redes sociais, que tipo de arquivos e informações são compartilhadas.
Uma 'educação' da rede é necessária e ela deveria começar nas escolas, e ir além, atingir os que já fazem parte da internet.
O conhecimento sempre será para poucos. Como você disse: "é falacioso quando se preconiza que a massa também será capaz". O conhecimento e a tecnologia são sim mecanismos de exclusão, o que não se pode é culpar a internet. Isto aconteceu com os livros e com o desenvolver dos outros meios de comunicação, portanto não acho muito legal a forma que crucificam a internet.
Haha Medo das nossas reflexões estão grandinhas.
Deixo minha opinião sobre o artigo do NY Times para um outro comentário.
Abraço

 
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