Humor de torcida

Meus colegas de trabalho perguntaram em que mundo estou vivendo. A indagação foi feita porque não esboço reação ao ouvir falar de derrota, vitória ou empate da seleção brasileira na Copa do Mundo. Minha indiferença é ainda maior quando o assunto são outras seleções (salvo a seleção da Argentina).

A última vez que sofri por causa de uma copa foi na edição de 1990, realizada na Itália. Na ocasião, o Brasil foi eliminado pela Argentina nas oitavas de final no jogo do dia 24 de junho, um domingo.  Aos 35 minutos do segundo tempo, o carrasco Claudio Caniggia emplacou o único gol que fez o Brasil voltar para casa mais cedo. É fácil entender porque brasileiros e argentinos são tão sarcásticos mutuamente.

O técnico da seleção brasileira era Sebastião Lazaroni. Tinha apenas 12 anos e recordo o quanto fiquei com os nervos à flor da pele, tal a ineficiência do camarada. Mesmo tendo um time com Taffarel como goleiro, Romário e Bebeto como atacantes, a condução da equipe foi pífia. A alteração orgânica foi tamanha que sentia os músculos do pescoço contraírem de raiva.
Era um torcedor no sentido mais profundo da palavra.  Mas, tempos depois, voltei à sanidade e, simplesmente, optei pela indiferença. Frieza da minha parte? Pode ser. Contudo, tenho minhas justificativas e, ao longo do tempo, elas foram se fortalecendo ao invés de arrefecerem. Hoje, ao observar o comportamento dos torcedores consigo tirar alguns questionamentos e até lições.

Entre as lições, destaco a beleza do ajuntamento humano por uma causa comum. Embora os céticos e pessimistas prefiram destacar as imperfeições do homem e suas limitações, é mais prazeroso destacar as suas virtudes e potencialidades.
Uma Copa do Mundo não seria um grande evento sem as torcidas. Sem as multidões que superlotam os estádios. Sem as mulheres e homens que se tornam crianças e se fantasiam, extravasam, dançam, gritam, pulam, choram, sorriem. São manifestações legítimas do homem e, felizmente, elas estão aí. Quanto a isso, não seria louco de me posicionar arbitrariamente contra. Se tivesse dinheiro para bancar 30 dias fora do país, gostaria de acompanhar pessoalmente o espetáculo das torcidas.

Agora, a variação de humor e valorização da torcida e da imprensa quanto à seleção brasileira é um negócio que me irrita profundamente. Se em uma partida os jogadores não vão bem, é suficiente para que numa matéria de 10 minutos, pelo menos nove sejam para falar que são todos incompetentes, indispostos, ineptos, descompromissados, desinteressados, enfim, predicado é o que não falta, quer sejam explícitos ou implícitos. O desânimo, descrédito e pessimismo que tomam conta parecem uma densa nuvem que não vai se dissipar.

Se no outro jogo há uma melhora, algum resultado do tipo 3 a 1 para o Brasil. Aí pronto, a 'lambeção' em nada lembra os piores comentários da partida anterior. Nas duas situações, percebo que uma questão importante é jogada de lado de modo instantâneo e arbitrário: a memória. Por argumentos embasados, na maior parte das vezes apenas na emoção e sentimentalismo, erros e acertos podem ser omitidos ao bel prazer do "especialista da vez".

Infelizmente, lamento que nas relações interpessoais, em geral, façamos o mesmo. Por falta do mínimo de clareza mental, todo o bem que uma pessoa tenha nos proporcionado, pode ser esquecido. Isso tira o brilho de nossa espécie. Essa opção por ignorar as coisas boas e reforçar as ruins do cônjuge, pai, mãe, irmão, amigo, patrão, colega de trabalho ou de quem quer que seja nos reduz a idiotas. Seríamos melhores, se aprendêssemos a apontar erros, sem ignorar os acertos uns dos outros. Mas enquanto preferimos ter humor de torcida, vamos errando até um dia aprender e, com isso, crescer.

1 comentários:

Letícia Arcanjo disse...

Amei Manu! Muito bom ponto de vista, principalmente por que brasileiro só honra a pátria em tempos de copa e depois disso esquece do verde e do amarelo.. fazer o que né? Parabéns!

 
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