Estamos doentes

Andei vivendo uma mistura de sentimentos nos últimos dias. Um misto de desesperança e fé, melancolia e prazer, certeza e dúvida. A gangorra sentimental em que fiquei surgiu quando comecei a acompanhar as notícias das mortes de dois jovens que deixaram o mundo dos vivos em um momento de doação e entrega pelo próximo.

No Guarujá, o artesão e surfista, Tony Villela, de 32 anos, conseguiu livrar dois rapazes das garras de um mar revolto, mas não conseguiu sobreviver às mesmas águas onde sempre viveu. Em São Paulo, na Marginal Pinheiros, o universitário Fábio Carvalho, de 24 anos, interrompeu sua viagem com o intuito de ajudar outro motorista em dificuldade e foi atropelado por uma carreta.

Além da morte como fato em comum, os dois casos trazem outra semelhança: a ingratidão. No caso dos dois rapazes salvos no litoral, nem eles ou um membro da família presenteada com a preservação de suas vidas foram prestar uma última homenagem ao surfista. Na Capital, o motorista que estava sendo auxiliado pelo jovem Fábio, sequer auxiliou pedindo socorro, saiu da cena como um fugitivo.

Diante de relatos como esses, são inevitáveis questionamentos como: 'Vale a pena ajudar?', 'Não seria melhor ficar preocupado com o meu bem-estar?', 'Pra que vou ajudar se dificilmente vou receber um muito obrigado?'. Se nos deixarmos guiar pelas emoções alteradas vamos optar pelas respostas que alimentem o câncer que nos corrói: o individualismo.

Esta doença está alastrada em todos os setores da nossa vida social. Nem mesmo dentro do lar, esconderijo da família, estamos isentos de fazer escolhas e agirmos pautados por um pensamento egoísta. Estamos cada vez mais rendidos aos desmandos do ego e olhando as pessoas como rivais, inimigos, gente que precisa ser aniquilada, enfraquecida, derrotada.
Estamos doentes, mas somos covardes demais para admitir. Quando o individualismo é o guia de nossas ações, optamos sempre por virar as costas, tampar os ouvidos, cruzar os braços e abrir a boca apenas para dar desculpas com argumentos de que 'não é possível fazer nada', 'faltam recursos', 'ninguém mandou', entre outras justificativas que escancaram a pobreza da alma daqueles que as utilizam. Mesmo reconhecendo o individualismo, doença da qual não posso dizer que estou imune, ainda preciso reunir forças para falar à minha consciência e a tantos quantos consiga, que é possível e preciso ser diferente.

Que Deus nos dê forças para não desistirmos de fazer o bem a qualquer tempo e a todas as pessoas que cruzarem as trilhas da nossa breve vida. De fato, somos como a flor do campo que logo desaparece. Mas, os frutos de nossas ações podem ir além fronteiras, rasgar séculos e ajudar a consolar, unir, curar, animar, fortalecer, ensinar outros homens a serem simplesmente homens e não feras indomáveis.

Não tive o privilégio de conviver com Tony e Fábio, só tomei conhecimento de suas existências após publicarem o trágico fim de suas vidas, mas espero poder aprender com suas mortes a trazer sempre à memória que sou sim, um ser humano. Cheio de defeitos e limites, mas criado com o objetivo maior de servir a Deus e ao próximo.
Se pudermos olhar sob esse ângulo quem sabe haja esperança para nossa cura? No vai-e-vem das emoções, minha esperança é que possamos optar por ajudar ao próximo independente do quanto receberemos de gratidão ou ingratidão em troca. Acredito que, se somos alvos da ingratidão de alguns, o objetivo é o de provar aos ingratos que eles ainda precisam crescer e fazer valer o rótulo de ser humano.

1 comentários:

Anônimo disse...

Fiquei sabendo desse acontecido também. É triste voce não ser reconhecido pelas boas ações que pratica, às vezes, pensamos em nunca mais ajudar alguém, porém, ainda existem pessoas que agradecem nossa boa ação e isso é o que nos faz querer ajudar cada vez mais. Para mim, o que vale é ver alguém feliz ainda mais quando é voce que proporciona essa felicidade. No caso das pessoas que receberam ajuda deles, se são seres humanos devem estar com remorço, não estão conseguindo dormir e no futuro irão se retratar. Assim espero.

 
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