Verdades incomodam

Somos viciados em discursos de mentira. Via de regra, preferimos o rival que afaga e bajula, ao amigo que dá o golpe certeiro e aponta nossos erros.
Quando bajulados, tendemos a acreditar na mudança de postura do bajulador. Queremos massagear o próprio ego nos iludindo que, se o rival nos acaricia, é porque todos os outros são opositores que estão apenas fazendo birra para não cumprir com a nossa 'soberana' vontade.

Olhar um no olho do outro e dizer o que realmente sentimos e desejamos, realmente não é fácil. É mais simples minimizar a questão, jogar para debaixo do tapete, fingir que não está acontecendo nada. Infelizmente, nos aperfeiçoamos nesta prática.
Sempre ouvi os mais velhos usarem a expressão que se deve "lavar a roupa suja em casa". Contudo, parece que preferimos manter a roupa bem encardida e, pior, sujamos ainda mais quando resolvemos falar de nossas pendengas com todo mundo, exceto com as pessoas que deveríamos.

Para envenenamento da nossa própria alma, vamos acumulando lixo ao longo da jornada. No diário da vida, vamos deixando páginas manchadas, mal escritas, histórias mal resolvidas.
O apóstolo Paulo escreveu aos cristãos da cidade de Éfeso o seguinte: "Portanto, cada um de vocês deve abandonar a mentira e falar a verdade ao seu próximo, pois todos somos membros de um mesmo corpo" (Ef. 4.25).
Embora ele estivesse doutrinando aos seguidores de Cristo como igreja instituída e regulando a forma de convivência, o princípio é universal. Ou seja, falar a verdade sempre é aplicável para qualquer grupo social ou religioso.

Esta prática evitaria muitos transtornos dentro de casa, por exemplo. Faria muito mais bem à família se a mulher dissesse ao marido que não gostou deste ou daquele comportamento do que simplesmente fingir que nada aconteceu.
Existe uma cena que é recorrente: o marido chega em casa, entra no quarto, olha a esposa no canto, ela está chorando. O homem, ao menos aquele que é decente, pergunta: 'que você tem?'. A resposta, via de regra é: 'nada não'.
Reconheço que a mulher é um mistério em si mesma. Para ser encantadora, ela passa pela vida dos homens com a tarefa de deixá-lo inculcado, incomodado. Entretanto, a resposta 'nada não' é uma mentira que elas se acostumaram a dizer e os homens se acostumaram a ouvir.

Por não estarmos acostumados com a verdade, quando ela vem, reagimos da pior maneira. Não nos propomos a ponderar os fatos. Colocamo-nos na condição de vítima e dali não nos demovemos até que tudo desmorone.
Também não é incomum os filhos darem a mesma resposta aos pais. Os motivos para esses diálogos nunca concluídos, muitas vezes, são por razões ridículas: uma testa franzida em público; um atraso na hora de pegar da escola; um possível comentário que o pai ou a mãe tenha feito. Enfim, são diversas possibilidades idiotas que podem criar cicatrizes profundas.

Quando as pedras da mentira já estão num amontoado suficientemente grande e desordenado para despencar sobre nós, buscamos culpados. Assim como é no micro universo da família, procedemos no trabalho, na igreja, na escola e por aí vai. Erramos como filhos, pais, patrões, empregados, amigos, colegas.
Não sou adepto do microfone na mão, carro de som ou megafone para sair bradando aos quatro ventos as verdades que queremos dizer. Como já citado, a roupa suja tem que ser lavada em casa.

Vai doer? Vai. Vamos chorar? Com certeza. Vai ser tudo de uma vez, com todas as pessoas em todos os núcleos sociais que interagimos? Não! Mesmo porque nem suportaríamos tal avalanche.
Contudo, precisamos deste choque da verdade. Precisamos parar de nos escondermos nas casas de palhas, edificadas sobre areia movediça. Não é fácil, mas é possível.

"Sinto vergonha de mim"



Interpretação: Rolando Boldrin

SINTO VERGONHA DE MIM

Cleide Canton - Site http://www.paginapoeticadecleidecanton.com/sintovergonha.htm:

Sinto vergonha de mim
por ter sido educador de parte desse povo,
por ter batalhado sempre pela justiça,
por compactuar com a honestidade,
por primar pela verdade
e por ver este povo já chamado varonil
enveredar pelo caminho da desonra.

Sinto vergonha de mim
por ter feito parte de uma era
que lutou pela democracia,
pela liberdade de ser
e ter que entregar aos meus filhos,
simples e abominavelmente,
a derrota das virtudes pelos vícios,
a ausência da sensatez
no julgamento da verdade,
a negligência com a família,
célula-mater da sociedade,
a demasiada preocupação
com o "eu" feliz a qualquer custo,
buscando a tal "felicidade"
em caminhos eivados de desrespeito
para com o seu próximo.

Tenho vergonha de mim
pela passividade em ouvir,
sem despejar meu verbo,
a tantas desculpas ditadas
pelo orgulho e vaidade,
a tanta falta de humildade
para reconhecer um erro cometido,
a tantos "floreios" para justificar
atos criminosos,
a tanta relutância
em esquecer a antiga posição
de sempre "contestar",
voltar atrás
e mudar o futuro.

Tenho vergonha de mim
pois faço parte de um povo que não reconheço,
enveredando por caminhos
que não quero percorrer...

Tenho vergonha da minha impotência,
da minha falta de garra,
das minhas desilusões
e do meu cansaço.
Não tenho para onde ir
pois amo este meu chão,
vibro ao ouvir meu Hino
e jamais usei a minha Bandeira
para enxugar o meu suor
ou enrolar meu corpo
na pecaminosa manifestação de nacionalidade.

Ao lado da vergonha de mim,
tenho tanta pena de ti,
povo brasileiro!


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"De tanto ver triunfar as nulidades,
de tanto ver prosperar a desonra,
de tanto ver crescer a injustiça,
de tanto ver agigantarem- se os poderes
nas mãos dos maus,
o homem chega a desanimar da virtude,
A rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto"
Ruy Barbosa

 
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