Não sou afeito a acompanhar a editoria policial de nenhum veículo. Mas no dia 28 de novembro, fui seduzido pelas imagens da TV.
Por volta das 15h15 de domingo, no Complexo do Alemão, Rio de Janeiro, as câmeras mostram uma cena incomum e inquietante, ao menos sob minha ótica. Em meio a todo caos e espetáculo provocado pelos aparatos de guerra, um quadro chamou minha atenção e, em medida avassaladora, me quebrantou.
Até aquele momento, havia acompanhado o noticiário oscilando entre o otimismo e o pessimismo. Subi e desci na gangorra da fé e da incredulidade. Em alguns momentos, cria que toda operação podia, sim, lograr algum êxito. Noutros, acabava vencido por uma sensação de impotência e temor da impunidade alimentada pela corrupção.
Mas, no meio da tarde cáustica do domingo não escondo e não me envergonho do fato que me emocionei ao ponto de chegar às lágrimas. Nem eu acredito que chorei diante do noticiário policial.
A cena mostra um eletricista, Ivanildo Dias Trindade, de 55 anos, entregando à Polícia o seu filho Carlos Augusto Trindade, conhecido como Pingo. Embora estivessem totalmente cercados por repórteres e policiais, por um momento, só conseguia visualizar o pai e o filho.
Um turbilhão de perguntas e sentimentos varreu-me a mente a alma. Questionei-me sobre a intensidade e tamanho da dor que aquele pai devia estar sentindo por ter que entregar o filho à Polícia, para que ele não morresse.
Talvez aquele pai se questionasse onde errou para que a carne de sua carne tivesse se tornado um procurado pela Polícia. Bem pode ser que ele reconhecesse ter feito tudo o que podia para educar um homem de bem, mas por diversos motivos, o seu rebento estava ali, derrotado pelo crime.
Independente das respostas aos muitos questionamentos que devem ter surgido nesta hora, acredito que o amor foi o responsável para optar pelo mais drástico: a rendição. Um repórter perguntou ao sr. Ivanildo porque ele havia tomado aquela decisão.
A resposta veio com simplicidade e resignação: "Porque um dia tem que pagar, não é senhor? Se não fosse agora, será amanhã ou depois". Somente o amor teria forças de perdoar por todos os atos de desobediência do rapaz e lutar com todas as forças para que ele pudesse viver.
A uma voz todos queremos que Pingo e tantos outros paguem pelos erros cometidos. Não sei quantos, nem quais crimes constam de sua ficha policial, mas uma verdade não sai de minha mente: é um ser humano.
Errado? Sim. Digno de prisão? Sem dúvida. Digno de morte? Não! Ele precisa de vida. Aliás, o fato de ter funções vitais não significa que realmente saiba o que é viver. Bem pode ser que agora, entregue pelo próprio pai à Polícia, talvez, ele tenha a possibilidade de saber o que é vida de verdade.
O ato desesperado de seu pai talvez tenha dilacerado Carlos Augusto como nunca antes. Milhares de momentos de sua vida repleta de escolhas equivocadas devem ter passado em sua mente tal qual uma tela de cinema.
Detido pelos policiais, ele tentou secar o rosto das lágrimas que escorriam enquanto mantinha a cabeça baixa por causa da vergonha que devia gritar no seu ouvido: 'fracassado', 'derrotado', 'covarde'. Depois de toda valentia mostrada, talvez, na garupa de uma moto empunhando uma arma. Depois de todo terror que deve ter semeado, estava ali aterrorizado e aniquilado.
Não tenho a menor ideia dos desdobramentos que podem alcançar a história de Pingo e de Ivanildo, que tem lamentáveis semelhanças em muitas outras famílias. Contudo, tenho certeza que cada um pode contribuir um pouquinho para que outros milhares de 'Pingos' que existem por aí, ao serem aprisionados no corpo, conheçam de modo misteriosamente belo e poderoso a liberdade da alma.
Reconheço que não é tarefa fácil, mas entendo que, independente do credo, podemos desenvolver a compaixão.
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